Densa ausência

Vou amanhecer no sono de minhas irmãs,
suas noites serão minhas manhãs.
E, nos seus corpos orvalhados de suor,
mergulharei a minha alma;
em seus umbigos rasos,
banharei meus pensamentos…
sereno serei nesse momento.

Vou me aquecer nos corpos de minhas irmãs,
meus invernos serão seus verões.
E suas peles,
como cobertas de areia aradas pelo tempo,
me cobrirão de deserto…
permearei seus poros com as raízes do meu rio.

Vou me reconhecer nos rostos de minhas irmãs,
meus feitios serão suas feições.
E, numa mistura de fisionomias,
não mais suas do que minhas,
em cada traço, vislumbrarei os meus passos
e, sob a superfície de suas frontes sem disfarces,
esconderei a minha face.

Vou me perceber nas vozes de minhas irmãs,
meus sons serão suas canções.
E a minha onda sonora
atravessará o oceano
e fluirá nos seus tímpanos
como um rio subterrâneo…
transparente, estarei presente.

Vou envelhecer nos cabelos de minhas irmãs,
minhas sombras serão seus clarões.
E, no véu de fios brancos,
que lhes cobrirá as cabeças,
a minha ausência se fará densa,
compacta e intensa;
alva alvorada,
clara e branca,
do tempo em que o escuro estanca.

Vou sobreviver nas veias de minhas irmãs,
minhas irmãs então serão minha mãe.
E a voz do meu sangue
ressoará em silêncio
e pulsará num pranto lento,
no eterno movimento
de um rio rubro e denso;
vermelho,
no qual me espio e me espelho.