Os espelhos de meu pai
Quem eu era de mim já se foi,
mas talvez ainda exista
sob a pele cintilante
dos espelhos que meu pai vendia;
tantos espelhos nos quais eu me via
e nos quais o meu silêncio se refletia.
O meu silêncio, feito de carne e sangue,
pleno de medos e segredos fluía
e, em silêncio, se entregava de joelhos
ao silêncio de espelhosm,
que, na contemplação dos meus movimentos,
me admiravam com desdém e me chamavam: “Vem!”
Eu me aproximava do meu rosto visto de fora
para me ver por dentro,
mas os meus olhos míopes
não conseguiam ver tão longe.
A minha visão se embaçava
e era como envelhecer
tentando entender o longe,
quando a tarde é quase noite e nada é nítido –
meus gestos, meu choro, meu riso…
A alma de quem eu era
se evaporou no vazio de espelhos
e foi molhar o infinito,
onde tudo o que eu era segue sendo sem mim,
onde minha voz se calou
e os meus antigos reflexos
já não refletem quem eu sou.