A luz da tinta

A partir do quadro A leiteira (c. 1658), de Johannes Vermeer

O leite que aqui cai eternamente
e flui como se fosse de verdade,
um líquido que a luz da tinta mente
(e tão completamente) nesta tarde,
escorre lentamente preso ao instante
(manhã de uma mulher longe de mim),
num tempo diferente, tão distante,
que solta-se (presente sem ter fim).
E ela atravessa (como o leite, é luz)
o espaço e as horas sem se derramar,
sem dar-se ao fora, aos agoras nus –
se entrega inteira só à luz do olhar.
Concentração de um ser dentro de si.
E o leite cai eternamente aqui.