No fundo do pano
A partir do quadro Lavadeiras (1937), de Candido Portinari
Nas trouxas nas cabeças dessas moças
há roupas sujas que vestiram outras
em seus passeios, jantares e festas –
suor, perfume, no fundo do pano.
No pano que elas vestem, essas moças,
entra o suor (seu perfume agridoce),
pérolas transparentes que o permeiam,
molhando em amargo o raso dos vestidos.
São tristes os vestidos dessas moças –
nenhuma flor, nem mesmo murcha, ou folha,
nenhuma cor de pétala no claro –
alvo lavado por suas mãos tão limpas.
Nas mãos ainda meninas dessas moças,
brincar é força de dedos que doem,
que esfregam cegos qualquer encardido
e espremem a espuma quando a água enxágua.
Seguindo os pés descalços dessas moças
se chega a beiras, lagos escondidos,
onde se afoga o fundo frio do pano
das roupas sujas que vestiram outras.