O nó da sina
No nó da sina de seres
selados na mesma célula,
ele era o filtro da moça
que nascera sem ser ela.
A princípio imprensada
na carne de seu irmão,
Eva não retirada
da costela de Adão.
E nessa unidade dupla
de gêmeos dessemelhantes,
suas vidas se enviesavam
em reencontros constantes.
E ele dançava com ela,
seu par por toda a vida.
Às vezes ela o guiava,
noutras deixava ser conduzida.
Mas com o intuito de se expor
e sem uma rota reta
que enfim pudesse transpor,
encontrou ar nas arestas:
primeiro as unhas mais longas
e os compridos cabelos;
depois o ruge no rosto
e o batom mais vermelho.
E ele assim foi se entregando
de corpo à alma dela.
E assim foi se escondendo
e foi se encravando nela.
Pois a total metamorfose
era o que a moça tinha por meta –
a seta que vinha do centro
cavando na carne frestas,
rasgando a raiz da voz,
alçando asas na cela,
sem a leveza da luz
atravessando a tela.
Pois com a explosão do choque
da alma contra o corpo,
o corpo despe a alma
e a alma veste o corpo.
Não com a leveza de véus
que o vento, ao passar, esvoaça.
Nem com o passar de um pincel.
Mas com a firmeza de facas.
Trazendo à carne traços,
enxertos do sonho seu:
seios, cortes, pedaços
do mosaico do seu eu;
do eu secreto da concha,
gruta onde ecoava o grito
antes de entrar na garganta
e começarem os ritos…
E assim nasceu a moça
que nascera sem ser ela –
do nó da sina de seres
selados na mesma célula.