O olhar vidrado da atriz

A Maria Marighella

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
(…)
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Carlos Drummond de Andrade

Que imagens vê o olho de vidro da atriz,
quando é vista em cena
e avista apenas
o intenso escuro,
que esconde as caras
de olhos vidrados de vontade de vê-la?

Que alcance tem o olhar vidrado da atriz,
quando finge ser
o que imagina,
despindo de si
o que em si é sina?

Se a viagem é a vida inventada e vivida,
tudo pode ver o olho de vidro da atriz,
que atravessa a cena
sob a luz molhada
de suor,
serena.
Basta ela querer,
pois o escuro escudo
cede à sua sede de outros seres ser.

Só quando ela some
e a cena escurece,
quando deixa o palco
e a si volta a ser,
é que nada vê o olho de vidro da atriz,
que atravessa a rua,
a cidade,
a vida –
deixando a inventada,
de volta à vivida.